Duas estreias do Festival de Curitiba trazem visão israelense e árabe dos conflitos da Faixa de Gaza.

Sem tomar partido, peças mostram como questões do Oriente Médio afetam relações humanas, mesmo as daqueles que se consideram distantes delas


De um lado “Meu Saba”, com a visão israelense sobre os conflitos na Faixa de Gaza, uma peça focada no relacionamento entre o Prêmio Nobel da Paz, Yitzhak Rabin, e sua neta. Do outro, com uma visão árabe, uma família do Brasil – pai palestino e muçulmano, mãe libanesa e cristã ortodoxa e os filhos brasileiros, um muçulmano e outro católico –, na peça “Post Scriptum”.

Mais do que tomar um partido quanto as questões do Oriente Médio, os dois espetáculos testemunham como elas afetam a todos – famílias, amizades, relações afetivas -, mesmo as daqueles que se consideram distantes do problema. As duas montagens estão na Mostra do 24º Festival de Teatro de Curitiba, que neste ano é é apresentado pelo Banco Itaú e Tradener e tem patrocínio da Renault do Brasil, Petrobras, Copel, Fundação Cultural de Curitiba/Prefeitura de Curitiba e UEG Araucária, além do apoio da Itaipu Binacional.

“Meu Saba” ou “Meu Avô”, com direção de Daniel Herz, é um monólogo da atriz Clarissa Kahane. Toda peça se passa nos 30 segundos em que a neta do político, Noale, leva para subir no palanque e proferir algumas palavras em homenagem ao seu avô, primeiro ministro do Estado de Israel, assassinado por um israelense que era contra o movimento de paz com os palestinos. A personagem relembra seu nascimento, sua infância na casa do avô, as conversas com ele, a luta dele pela paz como político e as crises existenciais de uma adolescente que cresce em meio à guerra.

“No espetáculo, fugimos de relações, opiniões e pontos de vista políticos ou religiosos sobre as questões na Faixa de Gaza. Tanto no texto, como no espetáculo, estamos atentos à relação entre Noale e seu avô, uma relação universal entre neta e avô que foi interrompida tragicamente.”, diz o diretor de produção de “Meu Saba”, Miguel Colker. “Da mesma forma que Martin Luther King, Gandhi, e outros pacifistas, Yitzhak Rabin foi assassinado por um tiro devido a sua determinação para a construção da paz. E todos esses líderes possuíam filhos e netos, e o assassinato de suas vidas, interromperam tragicamente estas relações”, completa.

Em 1994, Yitzhak Rabin, primeiro ministro do Estado de Israel, recebeu o Prêmio Nobel da Paz, pelos seus feitos nos acordos de paz entre o Estado de Israel e a Palestina. Em 2015, completam-se 20 anos da morte de Yitzhak Rabin. O espetáculo “Meu Saba” é livremente inspirado no livro “Em Nome da Dor e da Esperança”, de Noa Ben-Artzi Pelossof.

“Post Scriptum”, espetáculo da Companhia Teatral Arnesto nos Convidou, de São Paulo, aborda o conflito entre israelenses e palestinos por meio de uma família radicada no Brasil, formada pelo pai, palestino e muçulmano, a mãe, libanesa e cristã ortodoxa, o primogênito, brasileiro e muçulmano, e o caçula, brasileiro de formação católica. A ação da peça, dividida entre os planos da realidade, da imaginação e do mito, desenvolve-se a partir do desaparecimento do pai, dado como morto em um acidente aéreo no Amazonas.

O diretor Samir Yazbek explica que os acontecimentos da Faixa de Gaza presentes no espetáculo não são apresentados diretamente, mas estão presentes na visão da família. A peça demonstra como problemas que acontecem a milhares de quilômetros afetam a vida objetiva e o imaginário de todos, mesmo aqueles não envolvidos diretamente. Facilmente, a peça traça paralelos com questões brasileiras. “A questão indígena, o Brasil como terra prometida, por exemplo”, diz Yazbek.

“Estamos apostando muito nessas duas estreias por serem textos inéditos sobre uma temática muito atual. A arte em geral e especificamente o teatro, no nosso caso, tem a missão de contrapor visões e opiniões para que o público possa construir seus pensamentos e valores”, destaca Leandro Knopfholz, diretora geral do Festival de Teatro de Curitiba.
Copyright © Sistema Online. Designed by OddThemes